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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A história de um amigo rejeitado

Meu nome... Bem, meu nome eu não sei. Só me lembro que tive mais quatro irmãos. Como o dono da minha mãe não dispunha de espaço e nem queria bebês pela casa, largou a mim e meus irmãos na rua, dentro de uma caixa de papelão. Estava muito frio, e chorávamos de fome. A maioria das pessoas se comovia ao nos ver largados ao nada, no entanto, apenas duas agiram: uma delas levou um de nós, e a outra, tempos depois, o restante - e eu estava entre os três últimos. Esqueci de dizer que éramos cinco, porém, o mais fraquinho não sobreviveu à tempatura baixa e à dor que sentia em seu estômago que parecia possuir extremidades grudadas, tamanha a vontade de se alimentar.

Parecia que teríamos um final feliz. Mas só fomos levados para um pet shop. De lá, cada um teve um destino diferente. Eu fui acolhido por um garotinho que voltava do colégio. Ao chegar em casa, quase tivemos de voltar ao pet shop para que eu fosse devolvido. Astuto, o garoto prometeu cuidar de mim, dando comida, banho e limpando minha sujeira; promessa logo esquecida; quando filhote, todos diziam que eu era lindo e fofinho.

Não sei o que fiz errado, para que com o tempo eu passasse a tomar vassouradas no lombo. Dormia no chão gelado do quintal, e por muitas vezes se esqueceram das minhas refeições. A mãe do garotinho, que tinha uns rolinhos engraçados nos cabelos, gritava comigo, me chamando de vários nomes, ora porque eu latia, ora porque eu brincava com a borboleta que passava voando próximo ao varal de roupas. Apesar de nunca ter tido vontade, de uns meses adiante, o portão para a rua, que passou a ficar aberto, não imagino a razão, tornou-se uma interessante alternativa. Quem sabe eu não fosse recolhido por alguém que realmente pudesse me amar.

Um dia, barulhos infernais vinham do céu, e pessoas vestidas iguais entoavam um grito, hasteando bandeiras em seus automóveis - ah, os automóveis -, fugi do quintal, à procura de um lugar onde o barulho não chegasse até meus ouvidos. Nunca mais voltei a ver aquele garoto e sua mãe dos rolinhos nos cabelos, nem o pote de margarina que cheirava mal, onde insistiam em jogar restos de comida, crentes de que aquilo me sustentaria.

Passei por ruas, avenidas, praças e viadutos; conheci outros cães, pessoas boas e más. Alguns seres humanos chegavam a comprar espetinhos de churrasco para mim e outros cães que estavam junto. Outros jogavam água quente em mim, justamente por me sentar à frente deles, pedindo um pequeno pedaço do que eles estavam comendo, para matar minha fome. Um pedido com o olhar, pois não sabia falar o idioma deles. Pensam que nós não sentimos fraqueza, dor, tristeza. Foram vários anos vivendo assim, inclusive vendo pela última vez colegas que eram levados por um homem rude, que os colocava em um carro, chamado por gente desesperada por carrocinha.

Em uma madrugada qualquer, estava cansado, vagando pelas ruas. Ao atravessar uma delas, vi uma forte luz, acompanhada do som ensurdecedor de uma buzina. Fui arremessado para a sargeta, sem forças para sequer chorar de dor, ou respirar firme para contê-la. Como ninguém veio me socorrer, ali adormeci para sempre.

Não pedi para nascer, nem para incomodar os donos da minha mãezinha, ou a mulher dos rolinhos engraçados no cabelo, ou aqueles que derramavam água quente para me afastar. Tudo o que queria era um lar cheio de amor, com pessoas que precisassem de mim, tanto como eu sempre precisei delas. Um abraço, um carinho na minha cabeça, e não precisaria de coisa alguma, pois já teria alguém para dedicar toda minha fidelidade.


...


Indo para a faculdade, hoje cedo, vi um cachorro morto por atropelamento. Me coloquei a pensar de quem era a culpa daquela cena. Cheguei à conclusão de que são vários fatores. Pode ser minha, por talvez não tê-lo visto antes para resgatá-lo das ruas, ou de quem o abandonou, como do motorista que não parou para socorrê-lo - o que não é de se espantar, principalmente quando se vê nos jornais que um médico atropelou e não socorreu a vítima, que acabou morrendo no local A única personagem que é livre de qualquer tipo de culpa é o pobre animalzinho, que nem sabia o que estava fazendo ali, ou porque ele, um vira-lata, tinha um tratamento diferente de um yorkshire, um poodle ou um lhasa.

Adotar um animal é um ato de amor, e mesmo assim, necessita-se de uma forte reflexão dos prós e contras. Um cachorro, por exemplo, vive por até 17 anos. Você estará disposto a cuidar de um ser vivo por 17 anos, ou em pouco tempo, ele terá um final parecido com o que vi nesta manhã, destroncado na sargeta, largado como lixo?

Andréia de A. Moura - não a jornalista, e sim, o ser humano

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postado por Andréia de Moura às 11:33 AM